domingo, 20 de janeiro de 2008

Introdução


Meu nome é Rafael e tenho menos treze anos de idade. A lógica é simples. Soma-se apenas até os dez primeiros anos de vida. Se a mortalidade infantil não te leva, então a contagem se inverte. Um ano de vida a menos para cada um que você completa. Simples assim. Eu tenho um avô que fugiu do quartel e migrou para não ir à Guerra. Dignidade nunca foi o forte de minha estirpe e tem sido assim, pouco nobre, desde a desagradável década de trinta.

Eu trabalho digitando código de barras. No mundo, para cada grupo de 10 pessoas, 1 homem deve ser plenamente realizado. Ele é feliz. Ele é notável. Ele é incrível. Ele não é digitador de códigos de barra. O estabelecimento onde eu trabalho abre ao público as nove da manha, mas eu tenho que chegar as oito para ajudar o faxineiro. E todos os dias vou ao banheiro e fico fingindo que estou cagando até as oito e quarenta e cinco. Enquanto,na verdade, durmo. Depois espano o aparelho de fax e passo as oito horas seguintes do meu dia ouvindo Radiohead. Ouço Radiohead, digito código de barras e atendo o telefone. Ouço Radiohead, atendo o telefone e digito código de barras. E ele diz: "You all I Need". E eu acredito.

Eu tenho uma mãe, uma cicatriz e duas irmãs. A minha mãe é desagradável sempre, mas quando limpa a casa ela fica bem mais desagradável. Uma irmã eu gosto muito e não vejo nunca. A outra eu não gosto nada e vejo sempre. Ela tem 24 anos e gastou, em média, 23 deles agindo de forma completamente imbecil e ultrajante. A minha cicatriz tem uns 3 cm e possivelmente devo ter umas 7 versões de como arranjei-a. Depende pra quem eu conto.

Legalmente eu não tenho pai a uns 7 anos. Mas legalmente eu também não posso dirigir, financiar o proxenetismo e nem praticar a concupiscência. Então eu não ligo.

Fui batizado na igreja católica, em alguma capela com nome de santo ou de alguma Maria. É lógico que eu acredito em Deus, como todo ser humano dotado de habilidades imorais e frustrantes. Todo mundo precisa de alguém pra por a culpa de seus fracassos e amarguras. E tem sido assim, pouco nobre, desde a desagradável década de 80. Onde encontro-me, desde lá, afogado neste imenso már árido em que vivo.

7 comentários:

Anônimo disse...

Não adianta, não sooa ordinário. Marido é uma boa sacada, rs.

Anônimo disse...

Você tem uma inteligência nata, lia seus post , desde o outro blog.
Continua escrevendo , que eu estarei aqui do outro lado lendo !

Aprendiz de Malandro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Aprendiz de Malandro disse...

Xará,
Vc foi mais poético e profundo que o Rocco nos fimes pornô que ele faz, ou fazia já deve estar com uns 89 anos ou com alguma DST irreverssível, mas relaxe, somos quase iguais em desgraça, apenas tenho reclamado pouco, mas isso vai mudar, assim podemos mudar o mundo, ou sermos presos por formação de quadrilha..rs!
abraço

Vinicius disse...

Cara,

o intervalo entre o bloco e este aqui só lhe fez melhor.

Bom, eu sou o tal gomes, marcus e vinicius lá do e-mail e o Jubilado que sempre comentou os posts.

Abraços

Patricia C. disse...

eu tenho uma cicatriz de também 3 cm. e ainda duas marca por onde enfiaram um ferro para segurar o osso.

Anônimo disse...

quero confirmar e ressaltar sempre que possível o seu talento em falar de si mesmo.que história é essa de se somar até os 10 anos?definitivamente você tem mais do que 7 versões para explicar a origem da sua cicatriz.e, definitivamente, você já me contou mais de uma.