quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Logradouro

A minha rua possui três postes de iluminação pública. Se, para cada um a distancia é de 50 metros, eu tenho 100 metros de vizinhos de cada lado da rua. O meu lado conta com pelo menos 65 metros de parentes. Mas vou encaixá-los na lacuna de vizinhos já que os vejo com regularidade indesejada. Para o bem ou para o mal. Na parte da frente, ao lado esquerdo, mora uma família evangélica detentora de um pequeno comércio varejista de inutilidades e guloseimas. Passaram os últimos 40 anos praticando a arte do viver mal em sociedade. Ano de 2002. Brasil campeão de futebol e eles nunca mais foram o mesmo. Para o bem. Por dois anos passei a acreditar que o futebol é uma coisa mesmo incrível e consegue unificar os povos em busca de um só sonho. Agora sei que o patriarca da família está mesmo é morrendo de algum tipo de câncer e resolveu ser um cara agradável. O que é um verdadeiro contra senso já que não faz sentido algum pedir desculpas a alguém se você sabe que já vai morrer.

Ao lado deles e de frente pra mim, moram vizinhos relativamente novos. Ainda não completaram uma década na casa embora a casa já deva ter umas 5 décadas. A matriarca da casa é surda e isso parcialmente explica os mais de 20 anos de matrimônio, já que o marido dela fala pra caralho. São duas filhas. Uma bem gostosa e que nunca mais vi e outra que vejo às vezes, mas nunca mais comi.

Ao lado deles moram uma senhora dona de um bar, o ex marido da senhora dona do bar, a filha deles dois, alguns cachorros e muitos ratos que atravessam a rua no meio da noite. Um dia minha avó foi dizer a ela sobre os ratos, mas como ela mora com seu ex-marido há mais tempo que eu caminho sobre a face ocidental da terra, não pareceu se importar. Quando eu era criança, gostava de ir com minha irmã brincar com a filha dela lá. Só pra poder ver o altar que ela tem nos fundos da casa, pros santos e outras divindades do candomblé. Um dia derrubei um índio, que derrubou a Maria Padilha, que derrubou um preto-velho e que trincou um vaso de barro. Desde então minha memória seletiva só me permite lembrar que nunca mais fui lá.

Ao lado deles é estranho. Funciona assim; um grande terreno com algumas casas onde existem mais mulheres do que homens, mais praticantes do que virgens, mais filhos do que pais, um gay e todos são parentes. Dali não comi quase ninguém.

Até ao final da rua, são mais três clãs de moradores e com nenhum deles tenho estreitamento de laços. Exceto as mulheres. Com quem me sinto incrivelmente mais tentado a socializar. Possuo algumas qualidades e dentre elas não existe nenhuma que se destaque muito pela dignidade ou integridade moral. Isso explica muitas coisas, me poupa de várias outras e me ajuda em quase nenhuma. Quase nenhuma.

2 comentários:

Gladson Caldas disse...

A falta de integridade moral já explica a ausência de preocupação com a possibilidade de uma das pessoas em questão ter um computador e, depois de ler esse texto, julgar irrisoriamente ofensivo. Foda-se né, liberdade poética.
Então, sem mais perguntas.

Elenita de Castro disse...

Olha aí a representação das famílias brasileiras, completamente admirável, acha não?


Inveja parcial da sua vida, queria ter algum vínculo com as pessoas da minha rua. Acho que tenho vida propria, não sei quase nada da vida dos meus vizinhos. rsrs